Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
1ª Vara Judicial da Comarca de Marau

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PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL Nº 5000211-26.2018.8.21.0109/RS

AUTOR: MARCINO INERINO OLIVEIRA DUARTE

RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

SENTENÇA

Vistos.

 

MARCINO INERINO OLIVEIRA DUARTE ajuizou ação de revisão de benefício em face de INSS. Referiu que quando da concessão do benefício da aposentadoria por tempo de contribuição, DER 30/06/2017,  ao elaborar a RMI, a autarquia ré deixou de considerar o período de labor especial com a consequente conversão entre 01/10/2011 a 08/06/2017. Referiu que faz jus ao afastamento do fator previdenciário. Pediu a revisão do benefício, com o recálculo da RMI levando em consideração a conversão de tempo de serviço especial em comum, e não incidência do fator previdenciário, com condenação retroativa a DER. .Sucessivamente, a concessão de aposentadoria especial ou a conversão da atividade especial em comum com a concessão pela forma mais benéfica. Juntou documentos (Evento 5, INIC1).

O réu contestou o feito. Impugnou a especialidade do labor prestado no período postulado, aduzindo a ausência de caracterização de labor especial, discorreu acerca dos PPPs e das normas aplicáveis à espécie, afirmando que a parte autora não possuí direito ao reconhecimento do labor como especial (Evento 5, CONT2). Requereu a improcedência dos pedidos. Juntou documentos.

Houve réplica (Evento 5, RÉPLICA3).

Oficiado, o empregador forneceu os LTCATS dos períodos laborado pelo autor na empresa (Evento 5, RÉPLICA3 fls. 106/135)

O feito foi digitalizado e passou a tramitar eletronicamente.

A parte autora juntou novamente aos autos os processos administrativos prejudicado na digitalização (Evento 11).

Vieram os autos conclusos para sentença.

 

RELATADOS. DECIDO.

 

MARCINO INERINO OLIVEIRA DUARTE ajuizou ação de revisão de benefício em face de INSS.

 

Pretende a parte autora o reconhecimento da especialidade com a consequente conversão dos períodos laborados entre 01/10/2011 a 08/06/2017.

 

Reconhecido administrativamente na DER 30/06/2017 42 anos e 12 dias Evento 11, PROCADM6 folha 20.

 

Quanto ao reconhecimento da atividade como especial, de fato, razão assiste à parte ré, pois o tempo de serviço deve ser visto de acordo com a legislação em vigor à época em que exercido o trabalho, já que este é o período em que o segurado adquire o direito à conversão, caso seja devida.

 

Logo, tendo em vista a sucessividade de normas sobre a matéria, importante verificar qual tem incidência sobre os fatos. Por esse motivo, destaco a seguinte evolução legislativa:

 

  1. até 28/04/1995, vigorava a Lei 3.807/60 e suas alterações e, posteriormente, a Lei 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), através da qual era possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando comprovado o exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação, ou, ainda, quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova (exceto para ruído, em que necessária sempre a aferição do nível de decibéis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desse agente);
  2. a partir de 29/04/1995, foi extinto o reconhecimento por categoria profissional, de forma que, no período compreendido entre esta data e 05/03/1997, era necessária a demonstração da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, considerando-se, como prova, até mesmo a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, ainda que sem base em laudo pericial;
  3. no período compreendido entre 06/03/1997 e 28/05/1998 (vigência do decreto n. 2.172/97), passou-se a exigir a comprovação efetiva da exposição, com apresentação de formulário padrão baseado em laudo ou perícia técnica;
  4. a partir de 01-01-2004, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) passou a ser documento indispensável para a análise do período cuja especialidade é objeto de postulação (art. 148 da Instrução Normativa n.º 99 do INSS, publicada no DOU de 10/12/2003). Tal documento substituiu os antigos formulários (SB-40, DSS-8030, ou DIRBEN-8030) e, desde que devidamente preenchido, inclusive com a indicação dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais e pela monitoração biológica, exime a parte da apresentação do laudo técnico em juízo.

 

Com a observância da legislação vigente em cada período, passo a analisar a especialidade das atividades desenvolvidas pela parte autora, a qual juntou documentos bastantes à análise de seu pleito, em conformidade com a legislação de regência.

 

Consoante extraio dos LTCATs juntados no Evento 5, RÉPLICA3 fls. 106/135 a parte autora, no desempenho de suas funções, trabalhou de forma habitual e permanente, não eventual nem intermitente, em áreas de riscos e insalubres, enquadradas na legislação previdenciária, geradas pela exposição a agentes nocivos de ordem química, a saber, óleo e graxas, soda caústica, hidrocarbonetos e poeiras, no período compreendido entre 01/10/2011 a 08/06/2017.

 

Apesar da informação, no formulário, do uso de equipamentos de proteção individual (EPIs), não há notícia dos certificados de aprovação dos dispositivos de segurança na Secretaria do Trabalho, pelo que se presume a sua ineficácia para o propósito de neutralização dos efeitos nocivos da exposição aos agentes presentes no ambiente laboral.

 

Portanto, o período em questão deve ser reconhecido como tempo de serviço especial.

 

 

Anoto que as atividades previstas em normas infralegais são de cunho  exemplificativo, consoante entendimento prevalente.

 

Nesse diapasão:

 

Os hidrocarbonetos constituem agente químico nocivo mesmo a partir de 06/03/1997, pois possuem previsão no Anexo IV do Decreto nº 2.172 /1997 e no Anexo IV do Decreto nº 3.048 /99 (códigos 1.0.3, 1.0.7 e 1.0.19) e, ainda que não a tivessem, dada a natureza exemplificativa do rol de agentes nocivos constante nos atos regulamentares, a nocividade dos hidrocarbonetos à saúde humana enseja o reconhecimento da especialidade exercida sob sua exposição habitual e permanente. 3. Para os agentes nocivos químicos previstos no Anexo 13 da Norma Regulamentadora - NR 15, entre os quais os hidrocarbonetos e outros compostos tóxicos de carbono, é desnecessária a avaliação quantitativa. 4. É possível a implantação do benefício de aposentadoria especial sem a necessidade de afastamento das atividades exercidas sob condições especiais, tendo em vista a inconstitucionalidade do artigo 57, § 8º, da Lei nº 8.213 /91, declarada por este Tribunal Regional Federal. (TRF-4 – APELAÇÃO CIVEL AC 50411653720174047100 RS 5041165-37.2017.4.04.7100)

 

Considerando que a autora não preenche os requisitos para a concessão de aposentadoria especial, ressalva-se o seu direito à conversão do tempo de atividade sob condições especiais, em tempo de atividade comum, ex vi legis do art. 57, § 5º, Lei n. 8.213/91.

        

O multiplicador a ser utilizado, é o de 1,4, no tempo de serviço especial equivalente a 5 anos, 8 meses e 8 dias. O resultado, é de 7 anos, 11 meses e 17 dias.

 

No tocante a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição sem a incidência de fator previdenciário foi instituída pela MP 676/2015, convertida na lei n.º 13.183/15 e incorporada à Lei de Benefício mediante a inclusão do art. 29-C, que permite ao segurado da Previdência Social optar, desde que preenchidos os requisitos legais, pelo afastamento do fator.

 

Assim dispõe o art. 29-C, da Lei de Benefícios:

 

O segurado que preencher o requisito para a aposentadoria por tempo de contribuição poderá optar pela não incidência do fator previdenciário no cálculo de sua aposentadoria, quando o total resultante da soma de sua idade e de seu tempo de contribuição, incluídas as frações, na data de requerimento da aposentadoria, for:

I – igual ou superior a noventa e cinco pontos, se homem, observando o tempo mínimo de contribuição de trinta e cinco anos; ou

II – igual ou superior a oitenta e cinco pontos, se mulher, observado o tempo mínimo de contribuição de trinta anos.

 

Sobre o tema, lecionam Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari[1]:

 

A fórmula 95/85 permite opção de não incidência do fator previdenciário no cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição, quando o total resultante da soma da idade e do tempo de contribuição do segurado na data de requerimento da aposentadoria, incluídas as frações, for de, no mínimo, 95 e 85 pontos, respectivamente, para o homem e a mulher.

 

Igualmente, colaciono trecho do voto exarado no Recurso Cível n.º 5002545-55.2015.4.04.7122/RS, de relatoria da Juíza Federal Susana Sbrogio' Galia, que, de forma esclarecedora, discorre acerca da não incidência do fator previdenciário na aposentadoria por tempo de contribuição. Veja-se:

 

Salienta-se que a fórmula 85/95 representa o resultado da soma da idade e do tempo de contribuição para definição do valor do benefício. Em assim sendo, cuida-se de regra de pontuação que, quando atingida afasta a aplicação do fator previdenciário (redutor do valor do benefício). Por essa forma, culmina por mitigar a regra normal que aplica o fator previdenciário nas hipóteses em que o segurado tenha tempo de contribuição, mas pouca idade – o que importa maior expectativa de sobrevida (calculada pelo IBGE) - no momento da implementação dos requisitos para aposentadoria. Para a regra 85/95, a soma sempre considera o tempo mínimo de contribuição exigido, ou seja, 30 anos (mulher) e 35 anos (homem), beneficiando aqueles que começaram a trabalhar mais cedo, mas possuam longa expectativa de sobrevida.

 

Por conseguinte, a nova regra de pontuação, em sendo mais benéfica, incide nos termos da lei que a instituiu, e que expressamente considera os segurados que atingiram os requisitos para aposentadoria – ainda que em momento anterior à alteração legislativa –, mas tiveram o direito ao benefício efetivamente reconhecido (administrativa ou judicialmente) após a vigência da Medida Provisória nº 676/2015, com procedimento administrativo ou judicial ainda em curso. Isso porque, neste caso, deveria ter o administrador ou julgador atentado para a forma mais vantajosa de concessão, uma vez que a lei nova autoriza o cálculo do benefício a ser implantado na respectiva vigência, pela forma mais vantajosa, quando atingidos os requisitos legais para aposentadoria.

 

No caso concreto, até a data de entrada do requerimento administrativo, 14/10/2015, tem-se o seguinte panorama (Evento 11, PROCADM6 folha 20):

a) Tempo de contribuição/serviço total[2]: 45 anos 3 meses 21 dias ;

b) Idade da parte autora: 51 anos 11 meses 22 dias

 

Desse modo, com a revisão ora efetuada, verifico que se tem totalizada pontuação superior à necessária para o afastamento do fator previdenciário (soma da idade à época da DER com o período de contribuição reconhecido em processo judicial anterior, administrativamente e ora judicialmente).

 

A revisão opera desde a DER,, isso pois comprovando tempo de serviço não computado no ato de concessão da aposentadoria, a parte autora tem direito à majoração da renda mensal inicial de seu benefício, a contar da DER.

 

Nesse sentido:

 

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO REVISIONAL. LABOR SOB CONDIÇÕES ESPECIAIS.  APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RETROAÇÃO DA DIB. CORREÇÃO MONETÁRIA. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Apresentada a prova necessária a demonstrar o exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho, o respectivo tempo de serviço especial deve ser reconhecido. 2. Comprovando tempo de serviço não computado no ato de concessão da aposentadoria, a parte autora tem direito à majoração da renda mensal inicial de seu benefício, a contar da DER. 3. Segundo decisão do Plenário do Egrégio STF (RE nº 630501), o segurado do regime geral de previdência social tem direito adquirido ao benefício calculado de modo mais vantajoso, sob a vigência da mesma lei, consideradas todas as datas em que o direito poderia ter sido exercido, desde quando preenchidos os requisitos para a jubilação. O termo inicial dos efeitos financeiros, nada obstante, é a data do desligamento do emprego ou a data de entrada do requerimento, e respeitadas a decadência do direito à revisão e a prescrição quanto às prestações vencidas, se incidentes. 4. A conjugação dos precedentes dos tribunais superiores resulta na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial. 5. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de revisar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, AC 5016634-57.2017.4.04.7108, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 07/05/2020)

 

Para fins de correção monetária em condenações impostas à Fazenda Pública, o valor da condenação deverá ser corrigido monetariamente, segundo a variação do INPC (Tema 905 STJ), incidindo juros moratórios, segundo variação da poupança, na forma do RE 870.947.

 

Demais argumentos trazidos à baila, não infirmam a conclusão adotada.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido deduzido pela parte autora em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, para efeito de:

a) RECONHECER como especiais as atividades urbanas desempenhadas em 01/10/2011 a 08/06/2017, fazendo convertê-las em tempo de serviço comum pelo multiplicador 1,4 com a respectiva averbação;

b) declarar que a parte autora faz jus à concessão de benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição sem a incidência de fator previdenciário, e;

c) CONDENAR a autarquia ao pagamento retroativo das prestações devidas, corrigidos pelo INPC a contar da data do requerimento administrativo DER – 30/06/2017 desde a data de cada vencimento, acrescidos de juros de mora a partir da citação, consoante índice que remunera a caderneta de poupança.

 

Condeno a parte ré ao pagamento de honorários ao patrono da parte autora, estes arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, considerando as parcelas vencidas até a data de publicação da sentença, excluídas as parcelas vincendas após tal marco, nos termos da Súmula 76 do TRF4ª[3].

 

Condeno a Autarquia ao pagamwnto das despesas processuais. Isento-a da taxa única.

 

Sentença não sujeita a reexame necessário, pois o comando não ultrapassa 1.000 salários mínimos, atenta às disposições do art. 496, § 3º, I, CPC.

 

P.R.I.

 

Interposto recurso de apelação, intime-se o apelado para contrarrazões, seguindo-se remessa ao TRF4ª. Interposto recurso adesivo, intime-se o recorrido para contrarrazões, seguindo-se, após, à remessa supracitada.

 

Transitada em julgado, arquive-se.

 

 

 


[1] CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Forense, 2016. 19 ed. Rev., atual. e ampl., p. 574.

[2] Tempo de contribuição computado administrativamente DER 30/06/2017: 42 anos  12 dias  e Acréscimo decorrente da conversão em comum do tempo de serviço especial ora reconhecido: 2 anos 3 meses e 9 dias;

 

[3] Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".



Documento assinado eletronicamente por MARGOT CRISTINA AGOSTINI, Juíza de Direito, em 22/2/2021, às 14:45:48, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc1g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 10006051881v3 e o código CRC a8fad61e.

 


 

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