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PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL Nº 5000178-02.2019.8.21.0109/RS
AUTOR: SIDNEI IZAIAS DA SILVA
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
SENTENÇA
Vistos.
SIDNEI IZAIAS DA SILVA propôs a presente ação de concessão de benefício previdenciário em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, ambos qualificados nos autos.
Narrou o autor que exerceu atividade rural, em regime de economia familiar, no período de 01/12/1979 a 01/06/1985. Aduziu que exerceu atividade especialmente nocivas entre 01/04/1985 a 02/07/1993 e 01/09/2001 a 30/09/2008. Aduziu que implementou requerimento administrativo de aposentadoria por tempo de contribuição, o qual, todavia, findou indeferido, por falta de reconhecimento dos tempos rural e especial citados. Expôs os fundamentos jurídicos da demanda. Ao fim, postulou a concessão e o pagamento de aposentadoria por tempo de contribuição, a contar da data do requerimento administrativo. Pugnou pela outorga da gratuidade da justiça. E juntou documentos (Evento 1, INIC1).
Deferida a GJ (Evento 3, DESPADEC1)
Citado, o INSS ofereceu contestação. Aduziu acerca dos requisitos do benefício pleiteado e também daqueles necessários para comprovar o labor campesino. Defendeu a ausência de início de prova material do labor campesino e em condições características de regime de economia familiar. Suscitou a impossibilidade de reconhecimento como especial de tempo que o segurado esteve em gozo de benefício por incapacidade. Discorreu sobre a evolução do tratamento jurídico dado à questão do tempo de serviço especial, sustentou a ausência de caracterização de labor especial ante a não incidência de fatores insalubres no caso, o que leva a impossibilidade de reconhecer o período conforme postulado pela autora. Ao fim, requereu a improcedência dos pedidos autorais (Evento 6, CONT1).
Veio aos autos PPP em relação ao vinculo empregatício junto a empregadora Cooperativa Agricola Marauense (Evento 16, PPP21).
Produzida a prova pericial (Evento 80, LAUDO1).
Veio aos autos o LTCAT referente a empresa BRF S.A. (Evento 2, OUT - INST PROC2 fls. 203/2018).
Produzida prova testemunhal (Evento 110).
Vieram os autos conclusos para sentença.
É O RELATO. DECIDO.
Trata-se de ação em que pretende a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER, em 19/12/2018 (Evento 1, PROCADM4), mediante o reconhecimento de tempo rural de 01/12/1979 a 01/06/1985, e, mediante o reconhecimento de atividade urbana especial de 01/04/1985 a 02/07/1993 e 01/09/2001 a 30/09/2008
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Incialmente, aduz o réu sobre a impossibilidade do cômputo do tempo em que o segurado esteve em gozo de benefício por incapacidade previdenciário como tempo de serviço especial.
A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial n° REsp 1.759.098/RS, submetido à sistemática de recursos repetitivos, fixando a seguinte tese (Tema nº 998):
O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial.
Eis a ementa do julgado:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL ADMITIDO COMO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 1.036 DO CÓDIGO FUX. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL, PARA FINS DE APOSENTADORIA, PRESTADO NO PERÍODO EM QUE O SEGURADO ESTEVE EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA DE NATUREZA NÃO ACIDENTÁRIA. PARECER MINISTERIAL PELO PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Até a edição do Decreto 3.048/1999 inexistia na legislação qualquer restrição ao cômputo do tempo de benefício por incapacidade não acidentário para fins de conversão de tempo especial. Assim, comprovada a exposição do segurado a condições especiais que prejudicassem a sua saúde e a integridade física, na forma exigida pela legislação, reconhecer-se-ia a especialidade pelo período de afastamento em que o segurado permanecesse em gozo de auxílio-doença, seja este acidentário ou previdenciário.
2. A partir da alteração então promovida pelo Decreto 4.882/2003, nas hipóteses em que o segurado fosse afastado de suas atividades habituais especiais por motivos de auxílio-doença não acidentário, o período de afastamento seria computado como tempo de atividade comum.
3. A justificativa para tal distinção era o fato de que, nos períodos de afastamento em razão de benefício não acidentário, não estaria o segurado exposto a qualquer agente nocivo, o que impossibilitaria a contagem de tal período como tempo de serviço especial.
4. Contudo, a legislação continuou a permitir o cômputo, como atividade especial, de períodos em que o segurado estivesse em gozo de salário-maternidade e férias, por exemplo, afastamentos esses que também suspendem o seu contrato de trabalho, tal como ocorre com o auxílio-doença não acidentário, e retiram o Trabalhador da exposição aos agentes nocivos. Isso denota irracionalidade na limitação imposta pelo decreto regulamentar, afrontando as premissas da interpretação das regras de Direito Previdenciário, que prima pela expansão da proteção preventiva ao segurado e pela máxima eficácia de suas salvaguardas jurídicas e judiciais.
5. Não se pode esperar do poder judicial qualquer interpretação jurídica que venha a restringir ou prejudicar o plexo de garantias das pessoas, com destaque para aquelas que reinvindicam legítima proteção do Direito Previdenciário. Pelo contrário, o esperável da atividade judicante é que restaure visão humanística do Direito, que foi destruída pelo positivismo jurídico.
6. Deve-se levar em conta que a Lei de Benefícios não traz qualquer distinção quanto aos benefícios auxílio-doença acidentário ou previdenciário. Por outro lado, a Lei 9.032/1995 ampliou a aproximação da natureza jurídica dos dois institutos e o § 6o. do artigo 57 da Lei 8.213/1991 determinou expressamente que o direito ao benefício previdenciário da aposentadoria especial será financiado com os recursos provenientes da contribuição deque trata o art. 22, II da Lei 8.212/1991, cujas alíquotas são acrescidas conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa, alíquotas, estas, que são recolhidas independentemente de estar ou não o Trabalhador em gozo de benefício.
7. Note-se que o custeio do tempo de contribuição especial se dá por intermédio de fonte que não é diretamente relacionada à natureza dada ao benefício por incapacidade concedido ao segurado, mas sim quanto ao grau preponderante de risco existente no local de trabalho deste, o que importa concluir que, estando ou não afastado por benefício movido por acidente do trabalho, o segurado exposto a condições nocivas à sua saúde promove a ocorrência do fato gerador da contribuição previdenciária destinada ao custeio do benefício de aposentadoria especial.
8. Tais ponderações, permitem concluir que o Decreto 4.882/2003 extrapolou o limite do poder regulamentar administrativo, restringindo ilegalmente a proteção exclusiva dada pela Previdência Social ao trabalhador sujeito a condições especiais que prejudiquem a sua saúde ou a sua integridade física.
9. Impõe-se reconhecer que o segurado faz jus à percepção de benefício por incapacidade temporária, independente de sua natureza, sem que seu recebimento implique em qualquer prejuízo na contagem de seu tempo de atividade especial, o que permite a fixação da seguinte tese: O segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doença, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como tempo de serviço especial.
10. Recurso especial do INSS a que se nega provimento.
(REsp 1759098/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/06/2019, DJe 01/08/2019)
Logo, não há óbice para o cômputo de tempo de atividade especial de períodos em que o segurado esteve em gozo de benefício por incapacidade.
Adiante.
Com efeito, em se tratando de aposentadoria, em especial a por tempo de contribuição – objeto destes autos – dispõe a Constituição Federal:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
[…]
§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
I – trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
II – sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. (Incluído dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
Reconhecido administrativamente 24 anos 06 meses e 12 dias (Evento 1, PROCADM4 fl.60).
Do período Rural.
Observo que a parte autora busca o cômputo de período rural entre 01/12/1979 a 01/06/1985.
Para comprovação do período rural, é necessário se atentar a alguns entendimentos sumulados do STJ, os quais cito infra:
SÚMULA N. 149. A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário.
Súmula 577 – É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório. (Súmula 577, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/06/2016, DJe 27/06/2016)
Da oitiva das testemunhas (Evento 110), em conjunto com a análise da documentação produzida pela parte autora - a saber: certidão de nascimento da filha do autor onde consta a qualificação de agricultor (Evento 1, PROCADM4 fl.02), contrato de parceria agrícola firmado pela mãe do autor que comprovam a localidade e a qualificação de agricultores (Evento 1, PROCADM4 fls. 33/34), houve inegável prestação de serviços rurais, aptos a enquadrarem a parte autora, na condição de segurada especial, no período, não havendo qualquer prova nos autos apta a desconfigurar a prescindibilidade do labor agrícola no período postulado, a saber, 01/12/1979 a 31/03/1985.
Anoto ainda que, em que pese em inicial a parte ter postulado reconhecimento até junho de 1985, o primeiro vinculo empregatício urbano foi a partir de 01 de abril 1985 (Evento 1, PROCADM4 fl.13), motivo pelo qual improcede o reconhecimento do labor rural em regime de economia familiar entre 01/04/1985 a 01/06/1985.
Aduziu a autarquia, que como havia atividades de cunho urbano exercidas pelo pai do autor, portanto estaria desconfigurada a sua condição de segurada especial.
Entretanto, melhor sorte não detêm a ré, porquanto não configurada a prescindibilidade do labor agrícola.
Evitando tautologia, cito precedente tratando de situação semelhante:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL NÃO DESCARACTERIZADA. IMPRESCINDIBILIDADE DO LABOR RURÍCOLA.
1. O auxílio-acidente é devido quando restar comprovado que a parte autora padece, após acidente de qualquer natureza, de sequela irreversível, que acarrete redução da capacidade de exercer a sua ocupação habitual.
2. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial mediante início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
3. O fato de a autora perceber, eventualmente, proventos de atividade complementar de marceneiro, em sua própria residência, não descaracteriza a condição de segurado especial, porquanto não está configurada a prescindibilidade do labor agrícola.
4. A definição dos índices de correção monetária e juros de mora deve ser diferida para a fase de cumprimento do julgado. (TRF – 4, Apelação Cível 0004194-1120164049999)
Desse modo, considerando que a prova testemunhal confirma as alegações da parte autora, bem como que há início de prova material nos, a meu sentir, julgo que está provado que a parte autora exerceu atividade rural, em regime de economia familiar.
Com efeito, em relação ao período até 31/10/1991 “a Lei n. 8.213/91 resguardou, em seu art. 55, § 2º, o direito ao cômputo do tempo de serviço rural, anterior à data de início de sua vigência, para fins de aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição, independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência ”.
Nesse sentido:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. DESNECESSIDADE ATÉ 31-10-1991. CONDIÇÃO DE EMPREGADA RURAL NÃO COMPROVADA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. REQUISITOS NÃO IMPLEMENTADOS.
1. A Lei n. 8.213/91 resguardou, em seu art. 55, § 2.º, o direito ao cômputo do tempo de serviço rural, anterior à data de início de sua vigência, para fins de aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição, independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência.
2. A Lei de Benefícios da Previdência Social garante aos segurados especiais, independentemente de contribuição outra que não a devida por todo produtor rural sobre a comercialização da produção (art. 25 da Lei n. 8.212/91), o cômputo do tempo de serviço posterior a 31-10-1991 apenas para os benefícios dispostos no art. 39, inc. I e parágrafo único, da Lei n. 8.213/91; a obtenção dos demais benefícios especificados neste Diploma, inclusive aposentadoria por tempo de serviço ou contribuição, mediante o cômputo do tempo de serviço rural posterior a 31-10-1991, depende do aporte contributivo na qualidade de segurados facultativos, a teor dos arts. 39, II, da LBPS, e 25, § 1.º, da Lei n. 8.212/91.
3. Não é possível o reconhecimento da condição de empregada rural da demandante, tendo em vista que o conjunto probatório vem ao encontro da forma com que o INSS já reconheceu a atividade rural exercida: em regime de economia familiar.
4. Hipótese em que, embora a parte autora totalize, já com o cômputo do tempo rural, em regime de economia familiar, de 16-05-1976 a 31-10-1991, mais de 25 anos de tempo de serviço, não é possível o deferimento do benefício postulado, tendo em vista que, na data do requerimento administrativo, em 17-11-2010: (a) a parte autora não perfazia a carência mínima para a outorga do benefício, uma vez que havia vertido apenas 145 recolhimentos, quando o exigido, conforme art. 142 da LBPS, eram 174 recolhimentos; (b) não perfazia o pedágio de 40% do tempo que, em 16-12-1998, faltava para atingir aquele mínimo necessário à outorga da aposentadoria (art. 9.º, § 1.º, I, “a” e “b”, da Emenda Constitucional n. 20, de 1998); e (c) não perfazia a idade mínima de 48 anos necessária à concessão da aposentadoria por tempo de serviço proporcional (art. 9.º, I, da Emenda Constitucional n. 20, de 1998).
(TRF4, AC 0021202-40.2012.404.9999, Sexta Turma, Relator Celso Kipper, D.E. 12/11/2014)
PREVIDENCIÁRIO. SEGURADO ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. TEMPO DE SERVIÇO RURAL POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 8.213/91. INDENIZAÇÃO. INCIDÊNCIA DE JUROS E MULTA. EMISSÃO DE GUIA DE RECOLHIMENTO. CÔMPUTO COMO CARÊNCIA DO PERÍODO EM GOZO DE AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO / CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS NÃO IMPLEMENTADOS. AVERBAÇÃO DE TEMPO NO RGPS.
1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários, a partir dos 12 anos, pode ser demonstrado através de início de prova material, desde que complementado por prova testemunhal idônea.
2. O reconhecimento de tempo de serviço prestado na área rural até 31-10-1991, para efeito de concessão de benefício no Regime Geral da Previdência Social, não está condicionado ao recolhimento das contribuições previdenciárias correspondentes, exceto para efeito de carência.
3. O reconhecimento de tempo de serviço rural posterior a 31- 10-1991 exige indenização das contribuições previdenciárias respectivas.
4. As disposições do artigo 45-A da Lei n. 8.212/91, introduzidas pela Lei Complementar nº 128/2008, não prejudicam o entendimento jurisprudencial consagrado pelo STJ e por este Tribunal no sentido de que a exigência do pagamento de consectários somente tem lugar quando o período a ser indenizado é posterior à edição da Medida Provisória nº 1.523/1996.
5. Se o tempo em que o segurado recebe auxílio-doença é contado como tempo de contribuição (art. 29, §5º e art. 55, II, da Lei 8.213/91), por ser intercalado com períodos contributivos, consequentemente, deve ser computado para fins de carência.
6. Se a parte autora deixar de implementar os requisitos necessários para a obtenção da Aposentadoria por Tempo de Serviço/Contribuição, faz jus tão somente à averbação do período reconhecido no Regime Geral de Previdência Social. (TRF4ª APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0008525-07.2014.4.04.9999/RS)
Assim até 31/10/1991 o período independe de indenização à autarquia para fins de aposentadoria por tempo de contribuição, nos termos dos precedentes retrocitados.
Desta forma, ao período reconhecido administrativamente são acrescidos 5 anos e 4 meses.
Da atividade urbana especial.
A caracterização de especialidade que busca a parte autora se dá com base na legislação vigente ao tempo do exercício da atividade laboral, que é quando o segurado adquire o direito ao seu reconhecimento.
Logo, tendo em vista a sucessividade de normas sobre a matéria, necessário se faz verificar qual tem incidência sobre os fatos.
Por esse motivo, destaco a seguinte evolução legislativa:
- até 28/04/1995, vigorava a Lei 3.807/60 e suas alterações e, posteriormente, a Lei 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), através da qual era possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando comprovado o exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação, ou, ainda, quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova (exceto para ruído, em que necessária sempre a aferição do nível de decibéis por meio de perícia técnica, carreada aos autos ou noticiada em formulário emitido pela empresa, a fim de se verificar a nocividade ou não desse agente);
- a partir de 29/04/1995, foi extinto o reconhecimento por categoria profissional, de forma que, no período compreendido entre esta data e 05/03/1997, era necessária a demonstração da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, considerando-se, como prova, até mesmo a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, ainda que sem base em laudo pericial;
- no período compreendido entre 06/03/1997 e 28/05/1998 (vigência do decreto n. 2.172/97), passou-se a exigir a comprovação efetiva da exposição, com apresentação de formulário padrão baseado em laudo ou perícia técnica;
- a partir de 01-01-2004, o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) passou a ser documento indispensável para a análise do período cuja especialidade é objeto de postulação (art. 148 da Instrução Normativa n.º 99 do INSS, publicada no DOU de 10/12/2003). Tal documento substituiu os antigos formulários (SB-40, DSS-8030, ou DIRBEN-8030) e, desde que devidamente preenchido, inclusive com a indicação dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais e pela monitoração biológica, exime a parte da apresentação do laudo técnico em juízo.
Com a observância da legislação vigente em cada período, passo a analisar a especialidade das atividades desenvolvidas pela parte autora, a qual juntou documentos bastantes à análise de seu pleito, em conformidade com a legislação de regência.
Consoante extraio da prova pericial realizada (Evento 80, LAUDO1), a parte autora, no desempenho de suas funções trabalhou de forma habitual e permanente, não eventual nem intermitente, em áreas de riscos, insalubres e periculosas enquadradas legislação previdenciária, geradas pela exposição a agentes nocivos de ordem física, a saber, ruídos acima do limites permitidos e Agente periculoso – atividades e operações perigosas com inflamáveis (abastecimento de líquidos inflamáveis) nos períodos de 01/04/1985 a 02/07/1993 e 01/09/2001 a 30/09/2008.
Anoto que utilização de equipamento de proteção individual (EPI) não afasta a especialidade da atividade desenvolvida com exposição habitual e permanente a níveis de ruído acima dos limites de tolerância estabelecidos na legislação, pois não logra neutralizar os danos causados pelo ruído no organismo do trabalhador.[1]
Ademais, o expert concluiu que o EPI era ineficaz no caso concreto.
Portanto, o período em questão deve ser reconhecido como tempo de serviço especial.
Nesse passo, tendo em vista que as atividades desempenhadas são nocivas à saúde da parte autora, impõe-se o reconhecimento da atividade como especial. Anoto que as atividades previstas em normas infralegais são de cunho exemplificativo, consoante entendimento prevalente. Nesse diapasão:
Ementa: Os hidrocarbonetos constituem agente químico nocivo mesmo a partir de 06/03/1997, pois possuem previsão no Anexo IV do Decreto nº 2.172 /1997 e no Anexo IV do Decreto nº 3.048 /99 (códigos 1.0.3, 1.0.7 e 1.0.19) e, ainda que não a tivessem, dada a natureza exemplificativa do rol de agentes nocivos constante nos atos regulamentares, a nocividade dos hidrocarbonetos à saúde humana enseja o reconhecimento da especialidade exercida sob sua exposição habitual e permanente. 3. Para os agentes nocivos químicos previstos no Anexo 13 da Norma Regulamentadora - NR 15, entre os quais os hidrocarbonetos e outros compostos tóxicos de carbono, é desnecessária a avaliação quantitativa. 4. É possível a implantação do benefício de aposentadoria especial sem a necessidade de afastamento das atividades exercidas sob condições especiais, tendo em vista a inconstitucionalidade do artigo 57, § 8º, da Lei nº 8.213 /91, declarada por este Tribunal Regional Federal. (TRF-4 – APELAÇÃO CIVEL AC 50411653720174047100 RS 5041165-37.2017.4.04.7100)
Entretanto, considerando que o autor não preenche os requisitos para a concessão de aposentadoria especial, ressalva-se o seu direito à conversão do tempo de atividade sob condições especiais, em tempo de atividade comum, ex vi legis do art. 57, § 5º, Lei n. 8.213/91.
O multiplicador a ser utilizado, é o de 1,4, no tempo de serviço especial equivalente a 15 anos, 4 meses e 0 dias. O resultado, é 21 anos, 5 meses e 18 dias.
Do direito a aposentadoria no caso concreto.
Friso que pela soma dos períodos ora reconhecidos com aqueles computados na seara administrativa, a parte autora totaliza o tempo suficiente para a concessão de benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
Portanto, diante de todo o conjunto probatório e reconhecimentos de períodos na esfera administrativa e na judicial, foi respeitada a carência para deferimento do benefício, observada a tabela progressiva constante do art. 142, da Lei n. 8.213/91. O benefício é devido desde a DER.
Para fins de correção monetária em condenações impostas à Fazenda Pública, o valor da condenação deverá ser corrigido monetariamente, segundo a variação do INPC (Tema 905 STJ), incidindo juros moratórios, segundo variação da poupança, na forma do RE 870.947.
Demais argumentos trazidos à baila pelas partes são incapazes de infirmar o decisium.
Ante o exposto:
1) JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido deduzido pela parte autora em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, para efeito de:
a) RECONHECER o exercício de atividade rural da parte autora no período de 01/12/1979 a 31/03/1985;
b) DETERMINAR a averbação do respectivo tempo de serviço rural de 01/12/1979 a 31/03/1985 nos termos da fundamentação retro;
c) RECONHECER como especiais as atividades urbanas desempenhadas em 01/04/1985 a 02/07/1993 e 01/09/2001 a 30/09/2008, fazendo convertê-las em tempo de serviço comum pelo multiplicador 1,4 com a respectiva averbação e;
e) CONDENAR a parte ré a conceder à autora benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição com incidência do fator previdenciário, a contar da DER 19/12/2018, condenando a autarquia ao pagamento retroativo das prestações devidas, corrigidos pelo INPC desde a data de cada vencimento a contar da DER, acrescidos de juros de mora a partir da citação, consoante índice que remunera a caderneta de poupança.
Diante do decaimento mínimo do pedido autoral[2], Isento o INSS do pagamento da taxa única (art. 5°, inc. I da Lei n° 14634/2014). Condeno-o ao pagamento integral das despesas processuais (arts. 14 e 16 da Lei n° 14634/2014). Tendo em vista que a parte autora é benefíciária da GJ não há que se falar em antecipação da taxa única e despesas. Condeno a parte ré ao pagamento de honorários em favor da parte autora, estes arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, considerando as parcelas vencidas até a data de publicação da sentença, excluídas as parcelas vincendas após tal marco, nos termos da Súmula 76 do TRF4ª[3].
Sentença não sujeita a reexame necessário, pois o comando não ultrapassa 1.000 salários mínimos, atenta às disposições do art. 496, § 3o, I, CPC.
P.R.I.
Interposto recurso de apelação, intime-se o apelado para contrarrazões, seguindo-se remessa ao TRF4a. Interposto recurso adesivo, intime-se o recorrido para contrarrazões, seguindo-se, após, à remessa supracitada.
Transitada em julgado, arquive-se.
[1] . TRF4, AC 5029734-05.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 15/03/2020
[2] Art. 86. Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas. Parágrafo único. Se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários.
[3]"Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
Documento assinado eletronicamente por MARGOT CRISTINA AGOSTINI, Juíza de Direito, em 12/7/2022, às 21:31:25, conforme art. 1º, III, "b", da Lei 11.419/2006. A autenticidade do documento pode ser conferida no site https://eproc1g.tjrs.jus.br/eproc/externo_controlador.php?acao=consulta_autenticidade_documentos, informando o código verificador 10021862212v2 e o código CRC 6c62f855.